INGRID SOUZA NEVES LUZ

INGRID SOUZA NEVES LUZ

15/03/2024

INGRID SOUZA NEVES LUZ

Natural de Salvador, do bairro da Caixa D'água, Ingrid Luz é mais uma de nossas bikudas com orgulho em alta por ter erguido o diploma de Bacharela em Humanidades, formada pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), em 2023.

Ingrid estudou na Biko nos anos de 2016 e 2017, fez parte do Pré-vestibular do Steve Biko e também foi contemplada com uma bolsa integral para estudar inglês no ACBEU, fruto de parceria entre as instituições. No processo de seleção para o vestibular também acionou uma das conquistas do movimento negro brasileiro, o sistema de cotas.

Filha de mãe solo e bikuda, o que aqui é considerado com um elemento de força, Ingrid conta que sua caminhada foi difícil o que, infelizmente, é muito comum para jovens negros e negras da Bahia e do Brasil. Atualmente, em Brasília, cursa administração pública com foco nas políticas de governo e atua como conselheira Distrital da Promoção da Igualdade Racial da Secretaria da Justiça e Cidadania (CODIPIR).

Confira na íntegra a nossa conversa com Ingrid. A Biko continua torcendo para Ingrid e todos e todas que, de alguma forma, são parte da Instituição, tenham uma jornada incrível, mas, claro, que possamos cada dia mais viver sem o racismo e suas sequelas.  

Steve Biko: Como foi a sua trajetória até chegar à universidade?

Ingrid Luz: Minha trajetória foi marcada por muitas dificuldades, semelhantes às enfrentadas por muitos jovens negros que passam por um contexto socioeconômico instável, repleto de altos e baixos. Às vezes, enfrentava dificuldades com transporte, alimentação, internet - uma realidade comum para famílias de baixa renda, especialmente para uma filha criada por uma mãe solo. No entanto, o que definiu meu percurso foi o caminho que segui, orientado por minha mãe, que também fez parte da Instituição Steve Biko. Segui seus passos e persisti, alcançando meus objetivos.

Steve Biko: Qual o motivo da escolha deste curso especificamente?

Ingrid Luz: O curso que eu originalmente pretendia cursar era Medicina, mas como segunda opção no processo seletivo do SISU, optei pelo Bacharelado em Humanidades na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Sempre desejei estudar em uma universidade voltada para a comunidade negra, era um dos meus sonhos. O curso de Bacharelado em Humanidades reflete minhas experiências anteriores, já que sempre estive envolvida em grupos que lutam pela representação da população negra nas universidades e pela narração honesta da história, sem ocultar fatos importantes.

 

 

Steve Biko:  A universidade pública está preparada para receber e acolher uma estudante negra ou um estudante negro? 

Ingrid Luz: Comparado aos anos anteriores, a universidade carecia de suporte para a comunidade negra. Em vez de ser vista como um espaço de estudo, era frequentemente percebida como subordinada à burguesia branca, destinada a servir como empregada doméstica ou para trabalhos precários. Hoje, embora ainda haja falhas na distribuição de auxílio financeiro estudantil, essencial para a Sobrevivência, há uma parcela de estudantes que mantêm viva a resistência universitária, superando obstáculos para concluir seus cursos. No entanto, muitos desistem devido às dificuldades intransponíveis.

Portanto, a universidade se mostra despreparada. No entanto, ao longo do processo, é possível transformar a realidade da história acadêmica, exigindo reparação pelos anos de negligência ao não reconhecer o africanismo como parte integrante da herança cultural, digno dos legados de reis e rainhas africanos. Essa resistência persistente é fundamental para criar uma universidade verdadeiramente inclusiva e justa.

Steve Biko: Como uma mulher negra e periférica, quais os principais obstáculos você enfrentou dentro de uma universidade pública?

Ingrid Luz: O que mais afeta as mulheres negras, principalmente, é a sua vulnerabilidade socioeconômica, que se reflete em questões como moradia, transporte, alimentação, acesso à internet, água, gás, computador e materiais complementares de estudo. Eu mesma sou filha de uma mãe solteira, negra e de baixa renda, que se esforça ao máximo para garantir que suas filhas tenham sucesso tanto acadêmico quanto profissional.

Steve Biko: O que te deu força de não desistir tendo em vista tantos obstáculos?

Ingrid Luz: Minha mãe é o pilar da minha força, autoconfiança e equilíbrio. Ela é minha psicóloga, amiga, irmã e mãe, tudo em uma só pessoa.

Steve Biko: E qual é a sensação de estar formada?

Ingrid Luz: É incrível demais. É uma sensação emocionante porque, embora eu tenha imaginado alcançar este ponto, não esperava que fosse tão contagiante. É uma experiência totalmente nova, uma realização que também é um tributo à minha avó, que não está mais entre nós fisicamente, mas está presente no plano espiritual. É um dos legados que conquistei, e me enche de gratidão e orgulho.

Steve Biko: Você considera uma vitória individual ou coletiva? 

Ingrid Luz: É uma vitória coletiva, e sou grata ao Olorum, aos meus orixás, à minha mãe, aos parentes, amigos e aos meus antepassados, ou seja, ao movimento negro, que lutou pela inclusão dos negros em espaços que antes nos limitavam a funções como trabalhadores domésticos, vendedores e outras ocupações consideradas apenas como "trabalhos honestos". No entanto, como comunidade negra, temos potencial para ocupar posições que antes eram dominadas pela elite branca, como estudantes, advogados, economistas, professores, e muito mais.

 

 

Steve Biko: Como sua graduação pode contribuir para que a sociedade baiana repense o racismo?

Ingrid Luz: Minha graduação possui um contexto filosófico de integração entre a comunidade de língua portuguesa e a comunidade de língua portuguesa africana, visando promover uma troca de cultura, intelectualidade e pensamento. Nossa discussão visa desenvolver uma sociedade antirracista, sendo a graduação um alicerce para compreender como evitar comportamentos e atitudes racistas. A UNILAB desempenha um papel fundamental nesse contexto de desvendar e confrontar questões relacionadas ao racismo.

Steve Biko: E como o Instituto Cultural Steve Biko foi fundamental para você chegar até aqui?

Ingrid Luz: Foi essencial, pois adquiri maturidade para compreender melhor a vida após o pré-vestibular, indo além das aulas de cidadania e consciência negra. As aulas ministradas não se limitavam apenas ao conteúdo para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), mas proporcionavam uma visão de mundo mais ampla, introduzindo o surgimento de teorias. O Steve Biko, em seus encontros pré-vestibulares e eventos, promove a consciência do enfrentamento do mundo.

Steve Biko:  Qual a mensagem que você gostaria de deixar para os estudantes que devem entrar em uma universidade pública e que, infelizmente, ainda vão enfrentar os mesmos problemas que você enfrentou?

Ingrid Luz: Não importa o que aconteça, haverá desafios financeiros, problemas familiares, momentos de cansaço e lágrimas, mas lembre-se: tudo isso vai passar. Não desista, persista. Não permita que os obstáculos o(a) derrotem, mantenha sua fé e siga em frente. Continue avançando, e avançando, e avançando. Você alcançará o topo e celebrará com risos.


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